Um Pedaço de Pão


Le pain.
O Pão.

Há no Brasil "o pão francês", mas não há exatamente na França um tipo ou formato de pão denominado de "le pain français". O pão do povo brasileiro dito de "pão francês" é o cilíndrico, curto, miolo branco e dourado; na receita básica há farinha, água, fermento, sal e é acrescentado a ele o açúcar e a gordura. Todavia, há em muitas regiões da República Francesa um pão pequeno, cilíndrico com quase as mesmas características que o nosso pãozinho, mas não tem o mesmo nome, no caso traduzido em francês ou em português, o qual mais se assemelha a esse nosso alimento é o "petit pain" ou "pistolle". Entretanto, o pão genuíno do povo francês é "la baguette" ( a baguete ), a receita de base é a farinha, a água, o fermento e o sal, apenas há estes ingredientes na baguette tradicional, detalhe, essa receita que recebe esse nome de "baguette" foi regulamentada por um decreto em setembro de 1993, para que haja o padrão, que pesa entre 250 e 300 gramas, tem cerca de 65 cm a 80 cm de comprimento e são esfarinhados por cima. O nosso pão francês, o do brasileiro, pelo seu "petit" tamanho seria difícil carregá-lo debaixo do braço como é acentuado em algumas imagens de um "típico francês ou francesa" de boina, cachecol e uma "baguette" debaixo do braço. A boina até parece mito que muitos franceses ainda a usem, mas o pão debaixo do braço é bem comum se deparar com tal cena aqui pela França. Uma foto mundialmente famosa que expressa essa marca cultural é a do fotógrafo francês Willy Ronis, produzida em 1952, intitulada de "Le petit parisien”, que retrata um alegre garoto parisiense correndo e levando debaixo do braço uma baguete maior do que ele. Até o mundo da moda foi influenciado por tal hábito francês, visto que há um modelo de bolsa italiana conhecida como "baguette", pois é sem alça ou de alça é curta e se usa praticamente debaixo do braço, rente à axila.
Segundo reza a lenda, o pão francês do Brasil surgido no início do século XX, quando os burgueses da Primeira República que viajavam pela Europa adotaram a cultura francesa da “Belle Époque” como modo de vida cotidiana. Até então, as padarias que ainda faziam um pão escuro, mais parecido com o pão italiano, com o novo costume a francesado da burguesia foram induzidas a imitarem os pãezinhos alongados com um miolo muito branco e uma crosta bem dourada. Visivelmente, a receita não reproduziu o mesmo efeito do pão que se consumia na França, especialmente em Paris,  principalmente pela adição de açúcar, gordura e pelo tamanho, mas mesmo assim pela tentativa da imitação ficou conhecido como “pão francês”, contudo, é bom lembrar que existe outros nomes para este formato de pão conforme as regiões do Brasil; em Minas Gerais é conhecido como o "pão de sal", em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul é conhecido como "cassetinho", no Ceará é conhecido com "carioquinha", e assim vai, mas é mais famoso como "o pão francês " pelos 4 cantos do país.

A historia da França e do pão, principalmente da "baguette", pré e pós a Revolução caminharam e caminham juntas. Historiadores relatam que a Revolução Francesa eclodiu com a alta do preço e a falta de pão, devido a especulação do trigo por padeiros.

A baguette francesa já foi considerada o pão da igualdade ( le pain égalité ), com um decreto que ricos e pobres deveriam comer o mesmo tipo de pão, pois até o decreto os ricos comiam o pão feito com trigo e os pobres o pão feito de farelo. O revolucionário Girondins Condorcet tem uma frase assim: "a arte do padeiro é a mais necessária para as pessoas" ( "l'art du boulanger est le plus nécessaire au peuple") , exaltando talvez, a importância do pão e do padeiro em si, naquela época tão conturbada na política e na economia que não se sobrava nem um "cent" ou se presivava de muitos "cents" para comprar e consumir o pão.

Uma observação interessante: como o café é servido comumente gratuito em muitos restaurantes brasileiros, o pão na França é servido gratuitamente em quase todos os restaurantes franceses, é comum nos restaurantes servir até mesmo antes de se fazer o pedido do prato, um cestinho de pão fatiado ( geralmente a baguette ) e uma garrafa de água ( água torneral - água da torneira ), em seguida se faz o pedido e o pão acompanha a todos os pratos. Nas casas das famílias francesas também é comum o pão ser servido junto com o almoço ou com o jantar.

No Brasil a indústria de Panificação e Confeitaria está entre um dos maiores segmentos industriais do país, ainda é muito comum as pequenas e médias panificadores familiares fabricarem seus próprios pães. Na França com o crescente aumento de grandes franquias como a "Paul" e "Pomme de Pain" o número de pães artesanais e de fabricação de pequena escala diminuiu, sobressaindo essas famosas "boulangeries" ( panificadoras ), no entanto, a arte de se fazer um bom pão ainda se prima, não é por mero acaso que os franceses são conhecidos mundialmente pelos os seus excelentes pães.

O pão foi durante séculos o principal alimento dos seres humanos. Contudo, mesmo os franceses serem tão lembrados pela fabricação moderna do pão ele não é de origem francesa ou gaulesa. O consumo deste alimento pelo o mundo data de mais de milhares de anos, segundo alguns pesquisadores, obviamente que o seu preparo e ingredientes não eram os mesmos dos de hoje. Há vestígios de instrumentos milenares para o preparo desta massa alimentar, encontrado por arqueólogos. Estudiosos dão o mérito da fabricação clássica do pão ( a mais de 4000 anos a.C ) aos egípcios, pois adequarão ao seu preparo o método da fermentação.

O dia 16 de outubro é considerado o Dia Mundial do Pão, que também é considerado nesta mesma data o Dia Mundial da Alimentação.

Em síntese, de tantas histórias sobre o pão na França para o nosso pão francês o clarecimento principal é que se ao pedir em uma padaria francesa "un pain français", não espere que o atendente lhe compreenda e lhe venda um "pão francês" típico brasileiro, no mínimo, você não será bem interpretado em seu pedido, melhor será se o desejo for por um pão parecido ao nosso é pedir " un petit pain" ou "un pistolle", daí conforme a região francesa você sairá da panificadora com o pão francês do tipo brasileiro.



"Le petit parisien”, de Willy Ronis, produzida em 1952.




P.s.:  Imagens da Internet 

Texto publicado no Jornal : Comunidade Brasileira na França 

"Um Pedaço de Pão" - Historia e Cultura da Alimentação
Por: Sheila Denize Soares.

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