Memória Gustativa e Identidade Cultural - História e Cultura da Alimentação
( Texto publicado no Jornal : Comunidade Brasileira na França, por: Sheila Denize Soares )
Viaje e viagem no tempo através do Sabor: a lembrança do gosto de um alimento experimentado pode nos transportar mentalmente a um fato vivenciado no passado, pois os alimentos provados ficam registrados em uma parte de nosso cérebro denominada de memória gustativa, por conseguinte, em qualquer mudança de cultura a alimentação é a última tradição que desaparece, visto que, os seres vivos estão fortemente ligados aos seus hábitos alimentares e/ou comensal.
Alimentar-se é um ato nutricional, no entanto, comer é um ato social, pois está relacionado às atitudes, aos costumes, aos protocolos, à condutas, à situações de comensalidade e territorial.
Ao rememoramos um gosto agradável ou não agradável de certo alimento pode nos vir à tona várias lembranças. O sabor relembrado é acentuado pela memória gustativa, e por assim dizer a memória faz parte da identidade do Ser, pois somos singulares por aquilo que vivenciamos e provamos.
Um bom exemplo de como pode se manifestar a memória gustativa está eternizado na Literatura, com as lembranças gustativas do escritor francês Marcel Proust e suas "madeleines", foi graças a estes bolinhos franceses em formato de concha que o romancista e ensaísta, depois de anos sem comer esse "petit gâteau" e ao tomar uma xícara de chá se inspira a escrever o célebre romance " À la recherche du temps perdu" ( Em busca do tempo perdido ), obra publicada em sete partes, entre 1913 e 1927.
O sabor da "madaleine" ativou as reminiscências da infância de Proust, na cidade de Combray. E assim o autor protagonista narra:
"...Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama do meu deitar não mais existia para mim, quando, por um dia de inverno, ao voltar para casa, vendo a minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra os meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por quê, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madaleines que parecem moldados com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas, no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal.
De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligado ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde aprendê-la? Bebo um segundo gole em que não encontro nada demais que no primeiro, um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim."... E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray…”
Por certo, a memória gustativa não é apenas o privilégio ou suplício de Proust, todos nós seres humanos a temos presente e ora ou outra pode ser ativada. Os alimentos carregam consigo um forte apelo psicoemocial. Para os viajantes que passam muito tempo longe de sua Pátria e dos seus hábitos alimentares é normal que sintam a vontade de saborear um gosto em especial de um alimento, por conta de tal memória. É comum, ouvir, ler ou ver os comentários de muitos brasileiros e brasileiras que moram na França, por exemplo, solicitando dicas de onde comprar certo ingredientes para preparar os pratos típicos de suas regiões. É o minero que sente a falta do pão de queijo; é o baino que sente a falta do vatapá; é o paranaense que sente a falta do barreado e do chimarrão, e por aí vai as saudades de degustar o feijão com arroz, o churrasco, e, os demais gostos e sabores que marcaram e marcam a experiência, a vivência de cada um em particular.
A tradição culinária faz parte do conjunto de referências que constroe a identidade cultural e, deste modo, a memória. Seguindo esse principio relacionado à identidade e memória a "refeição gastronômica à moda francesa" , em 2010, inaugurou a lista do Patrimônio Imaterial da Humanidade conferido pela Unesco.
E... de colherada em colheradas muitas lembranças podem ser despertadas.
Na animação cinematográfica Ratatouille foi de uma colherada ( garfada ) saboreada deste prato típico caseiro francês, feito com berinjela, tomate e outros ingredientes, que o severo crítico gastronômico, o personagem Ego, viaja mentalmente ao seu tempo de infância relembrando o gosto desta iguaria feita por sua mãe, então, feliz com a lembrança, ele escreve uma bela crítica, afirmando que o chef no restaurante de Gusteau é o melhor chef de toda a França.
De modo químico, biológico e psicológico a memória gustativa está intrisicamente ligada as demais memórias sensoriais, mas como há seu espaço reservado e singular em nosso cérebro foi dado ênfase a está memória, nesta matéria, especificamente ligada a alimentação e a sua historia e cultura.
E para quem está longe da Pátria amada segue abaixo alguns links de mercados que possuem alguns produtos brasileiros, tais como: dendê, farinha de mandioca, mandioca, farinha de quibe, polvilho, mistura para pão de queijo, feijão, e muito mais.
Coisas do Brasil: Mercado Virtual
Eurasie - Bordeaux
Adega Lusitana - Bordeaux
E... Para conhecer e provar segue as receitas de Madaleine e Ratatouille :
Memória Gustativa e Identidade Cultural - Historia e Cultura da Alimentação
Por: Sheila Denize Soares.
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Fonte da citação do livro - Parte II
Livro: No Caminho de Swann – Trecho extraído do Capítulo I Combray
Autor: Marcel Proust; tradução de Mário Quintana
Editora: Abril Cultural
Página: 31
Ano: 1982
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